
O tira e a tiara
"Segurança é questão demasiado complexa para ser
confiada apenas aos policiais. A violência, que
já se integrou ao cotidiano dos brasileiros,
que aterroriza e enluta as famílias, que pesa cada
vez mais no bolso do cidadão comum, no orçamento
das empresas e no erário público, requer explicações
- e estratégias de combate - muito mais elaboradas
do que as que foram apresentadas ao longo da
propaganda eleitoral.
O rádio e a TV mostraram sobejamente como um tema
da maior relevância pode ser banalizado pelo oportunismo
e a demagogia. Nas mãos de alguns políticos e de seus
marqueteiros, o medo virou matéria prima para induzir
o voto alienado.
O tom simplório que se emprestou à angustiante questão,
traduziu-se nessa pérola de leviandade, pronunciada
entre os dentes por uma jovem atriz: ''Chega de política,
eu quero é segurança''. Plasmou-se, aqui, a absurda
negação da inteligência. É como se pretendessem excluir
o debate político, a reflexão, para reduzir o problema
da segurança ao denominador comum da repressão policial.
O ''achado'' do marketing do medo me lembrou lições
repassadas por Bertolt Brecht em seu antológico
O analfabeto político. E me despertou um temor verdadeiro,
fundado na constatação de que não querem que os jovens
parem para pensar; querem que eles parem de pensar.
A mocinha do programa eleitoral, angustiada porque
já não pode namorar no portão, fez uma triste apologia
da alienação. Ela não precisa de um tira armado patrulhando
a rua; basta-lhe uma tiara para prender os cabelos...
e libertar sua mente - tão jovem, tão estreita".
Artigo do jornalista Ítalo Gurgel publicado no jornal
O Povo (29/10/2004)
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